terça-feira, 5 de abril de 2011

(Sem) Vergonha dos Pés

Sempre fui travado com literatura brasileira. Não gostava, achava antiquada, maçante. Mais pelo caráter de obrigatoriedade da escola do que pelo conteúdo em si. Me envergonho de estar mais familiarizado com a literatura em língua inglesa do que com a minha própria. Obviamente isso vai mudar, dado que em menos de uma semana vou começar o curso de letras. Mas enfim, essa semana resolvi dar uma pausa com os europeus e os americanos e resolvi dar uma passeada pelo nosso querido Brasil. No entanto, não queria ler  um clássico tipo Machado de Assis ou coisa do tipo, escolhi então um livro que tava querendo ler fazia um tempão, desde que meu fim de domingo era sentar na frente da TV, colocar no GNT e assistir Irritando Fernanda Young.

Vergonha dos Pés, romance de estreia da autora, narra a história de Ana, uma universitária extremamente entediada com a vida. Mora numa cidade universitária onde não conhece ninguém, acha seu curso sacal e vai morar sozinha após flagrar seu marido com outra. Embora o tédio e o desencanto tenham papéis centrais no desenrolar da trama, 'entediante' seria a última palavra que eu usaria para descrever o romance.

Guiados pelo narrador em terceira pessoa, somos transportados aos pensamentos mais íntimos da protagonista, sem qualquer amarra ou pudor. Alternando entre o presente e o passado, Ana nos proporciona sempre metáforas hilárias e pontos de vista peculiares, e muitas vezes simplesmente bizarros, acerca de todos os aspectos da vida, desde o feminismo até a sua aversão a caroços de tomate. A minúcia e as indiossincrasias na personalidade de cada personagem são tão bem tecidas que nem por um segundo você duvida da veracidade daquelas pessoas.

O sonho da personagem em se tornar escritora tem também claros reflexos na história, já que em certos momentos fazemos uma viagem através da metalinguagem até o romance que Ana escreve em sua cabeça, que claramente é influenciado pelo que se passa em sua vida, ora como uma alternativa de escape da realidade, ora como vingança passional. Dessa forma também somos levados a pensar na relação da própria Fernanda Young com seu próprio romance; qual é a relação entre ficção e realidade?

Enfim, fico feliz que essa minha empreitada de volta à nossa literatura tenha tido tanto êxito. Vergonha dos Pés é mais do que recomendável. Embora estejamos (pelo menos eu, do alto dos meus 19 anos) duas gerações abaixo da da Fernanda Young, não perdemos nada do humor culto e irônico do romance. Garanto que você vai rir alto várias vezes durante a leitura; daquelas risadas que você olha envergonhado pro resto do ônibus pra ver se alguém te viu. Pra mim aconteceu na parte em que Ana, descontrolada com a passividade do mundo, xinga indignada os funcionários do McDonald's dizendo que o sanduíche tava com gosto de boceta. E isso só pra dar uma palhinha. A Fernanda Young já pode certamente contar com mais um fã.  

"Por que não ensinam às pessoas, desde bem pequenas, que elas são indivíduos preciosos? Que devem amar não por carência, acreditando que desta forma a solidão de suas existências cessará. Mas amar com o coração em paz, com a ideia de que nem a pessoa mais íntima pode compartilhar a sua dor. A dor de não ser hermafrodita, de não ter com quem partilhar suas entranhas"

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