quarta-feira, 12 de junho de 2013

Mochilão

Já há uma semana que o tempo está nublado nesta cidade. Já to desbotando de novo e voltando ao tom natural de pele. E me disseram que era primavera... humpf, sei. O jeito é ficar em casa vendo filmes, mas já tava cansado de ver sempre as mesmas coisas, então resolvi fazer uma maratona diferente dessa vez. Baixei 7 filmes, sendo um de cada continente. Fiz uma pesquisa não muito sistemática pelo IMDB e acabei escolhendo os seguintes países: Chile, Canadá, Noruega, Turquia, África do Sul, China e Austrália. Por motivos técnicos e de saúde infelizmente não pude ver todos, mas os 5 que eu consegui ver fizeram esse tour 0800 valer a pena.



Partindo da minha adorada América do Sul, minha viagem teve início no Chile. Bonsái (2011) conta a história de Julio, um escritor nos seus 30 anos que nunca realmente superou seu amor de faculdade, Emilia. A história está dividida em capítulos que alternam entre o presente e os flashbacks do relacionamento. O filme tem um ritmo mais lento que o normal, diálogos mais escassos, mas está cheio de símbolos, cenas íntimas bem atuadas e referências à literatura.
Comprei uma moto de segunda mão e fui subindo a América até chegar a Toronto, no Canadá. One Week (2008) trata de um jovem professor que descobre que tem câncer às vésperas do seu casamento. A notícia horrível acaba lançando-o numa jornada de autodescoberta numa motocicleta, atravessando o país de dimensões continentais. Achei o filme meio sessão da tarde no sentido de sensibilizar o espectador, mas ele tem uma narração engraçada e como "road movie" é uma grande homenagem às belezas do Canadá.


Deixei o Velho Mundo num voo transatlântico, troquei de avião em Amsterdã e finalmente cheguei à Noruega. Trolljegeren (2010) nos apresenta o furo jornalístico de três estudantes universitários que descobrem um segredo protegido pelo próprio governo: trolls de fato existem. O longa foi feito no estilo Bruxa de Blair, com a câmera na mão e interpretações mais naturais. Não diria que é um filme de terror porque mais ri do que senti apreensão. Os efeitos especiais foram até que bem feitos e me agradou muito conhecer um pouco mais do folclore nórdico. Devo dizer que foi minha viagem favorita do tour.

Peguei carona num balão e voei até a Turquia. Bir zamanlar Anadolu'da (2011) gira em torno de um grupo de policiais, acompanhados por um médico e um promotor, que busca um cadáver pra solucionar um crime. O filme tem tomadas bem longas (e meio arrepiantes), ritmo lento e vários diálogos sobre a morte, não oferece respostas fáceis e exige grande sensibilidade do espectador pra que penetre no universo proposto. Figura em várias listas de melhores filmes de 2012, vale a pena conferir num dia em que você estiver filosófico e paciente.

Infelizmente não consegui apanhar a caravana de camelos que me levaria da Turquia à África do Sul, mas no Estreito de Bósforo pude entrar clandestino num navio cargueiro que ia pra Austrália, por isso resolvi deixar a China pra outra oportunidade. The Loved Ones (2009) é um filme de terror que me fez rir ao mesmo tempo que me assustou. A menina rejeitada do colégio resolve se vingar de cada menino que se recusou a sair com ela. Imaginem só uma adolescente patricinha psicopata furando a cabeça do menino com uma furadeira. Hilário, não? Pelo menos pra mim.

Terminei meu tour na Austrália muito cansado e com saudades de casa. Assim, fiquei devendo uma pra África do Sul e pra China. Mas com certeza haverá novas oportunidades pra visitar esses países igualmente interessantes e muitos outros. Esse meu primeiro mochilão, no entanto, já ficou marcado pela dor no coração, pelo lindo interior do Canadá, pela caça aos trolls, pela autópsia de um cadáver e pelo baile de formatura mais aterrorizante da vida. Quem sabe o que o próximo me reserva?

terça-feira, 11 de junho de 2013

Before I Forget

Semanas lentas, tédio, tempo nublado, horas olhando o teto: condições perfeitas pra se escrever no blog. Pensei primeiro em escrever sobre esse suposto último filme da franquia The Hangover, mas mudei de ideia, queria escrever sobre coisas boas. Então pensei em escrever sobre esse último Star Trek, mas mudei de ideia, queria escrever sobre algo que realmente me empolgasse. Daí finalmente assisti pela segunda vez no cinema Before Midnight, e aí sim temos uma sequência que vale a pena ser explorada. Mas como se trata do terceiro filme da série, acho melhor fazer um apanhado geral como apresentação mesmo, já que infelizmente ela teve pouco alcance nesses dezoito anos desde o lançamento do primeiro.


Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight são um projeto do diretor americano Richard Linklater,  também responsável pelo roteiro junto com o Ethan Hawke e a Julie Delpy (que estrelam os filmes). A série documenta o relacionamento entre Jesse e Celine, um turista americano e uma estudante francesa que se conhecem numa viagem de trem pela Europa. Pra mim, no entanto, o grande apelo do projeto tá no espaçamento de nove anos entre cada filme, durante os quais não só as personagens, mas também os atores, obviamente, envelhecem. Assim, cada filme se torna um retrato de uma mesma geração feito em diferentes décadas, no caso anos 90, 2000 e 2010.


O Sunrise estreou em 1995, quando as personagens tinham seus vinte e três anos, portanto tem toda aquela atmosfera misteriosa de um encontro inesperado numa bela capital europeia. A cada minuto somos fascinados pelos sonhos, aspirações, preocupações e, claro, presunções desses dois jovens tão especiais e, ao mesmo tempo, tão próximos de nós, também com nossos vinte e poucos anos, cheios de sonhos, aspirações, preocupações e, claro, presunções. Em 2004 chega o Sunset aos cinemas, mas encontramos as personagens já com outras coisas na cabeça. As conversas interessantíssimas ainda estão presentes, mas tudo parece mais prático, os problemas mais maduros e a realidade da vida mais imediata. Falamos também de casamento, religião, morte, e vemos um Jesse e uma Celine nos seus trinta e dois anos, com seus empregos, suas vidas e suas bagagens adquiridas durante os últimos nove anos.

Eu, infelizmente, só fui ter contato com esses filmes maravilhosos depois de 2004, mas tento imaginar a experiência única que deve ser acompanhar esses dois de perto, principalmente os quarentões de hoje, e se identificar com a evolução pela qual eles passaram. Finalmente esse ano, mantendo a regularidade dos nove anos, tivemos o prazer de ver o Midnight, no qual os dois já estão na meia idade. Não quero dar qualquer tipo de spoilers sobre a trama, mas o projeto está tão bem feito que muitos críticos chegaram a declarar que esse é o melhor até agora. O Sunrise ainda é meu preferido por estar mais próximo do meu momento na vida, mas o Midnight com certeza atesta a maturidade de todos os envolvidos na criação da série. Ao mesmo tempo que aposta na fórmula do sucesso dos filmes anteriores, esse terceiro tem a liberdade de brincar com novos elementos e espelhar a própria maturidade que as personagens vivem.


Recomendo a série a qualquer pessoa de qualquer idade. Aparentemente são filmes sobre um romance, mas, no fim das contas, é um verdadeiro legado que essas pessoas nos deixam. Poucas vezes o cinema nos permite ver com tanta clareza a evolução de uma história tanto a nível pessoal quanto a nível cultural. Cada filme é produto do meio e do tempo em que se passa, uma fotografia que não procura explicar, mas simplesmente retratar. Tanto que pouquíssimas coisas acontecem em cada filme. Temos sempre longas tomadas sem cortes, sendo o diálogo o motor primordial da história. E a mensagem é bem clara. O objetivo não é narrar, o importante não é saber se eles se amam, se vão ficar juntos, mas documentar o que é estar vivo nos nossos tempos, com as nossas dúvidas, com os nossos relacionamentos. E que venha 2022!


"We're just passing through"

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Baixa a Bola, Brown

Semana passada estava eu bem lesando na aula de espanhol - com o laptop aberto enquanto os colegas apresentavam um trabalho - quando uma dessas publicações sugeridas pelo Facebook me perguntou se eu já tinha comprado o novo romance do Dan Brown. "WTF", pensei eu, nem sabia que ele já tinha escrito outro livro depois do Símbolo Perdido, o qual eu tinha engolido em dois dias quando só o meu corpo frequentava aquela minha adorada faculdade de direito. Dessa vez demorei um pouco mais pra ler, mas a expressão page-turner continua perfeitamente aplicável aos romances do Dan Brown.

Inferno traz o conhecido professor de simbologia de Harvard, Robert Langdon, de volta à Europa, mais especificamente ao coração do Renascimento: Florença. Após inexplicavelmente acordar baleado e desmemoriado num hospital, Langdon se vê imerso em mais uma corrida contra o tempo, agora pra salvar o mundo de uma arma biológica que promete nos afetar com uma força comparável à da Peste Negra, que na Idade Média dizimou um terço da Europa. Essa nova jornada, como indica o título, está intimamente ligada à obra prima do poeta italiano Dante Alighieri, A Divina Comédia, que por sua vez suscita a busca de pistas e a resolução de enigmas em outras grandes obras de arte relacionadas, tudo bem no estilo Robert Langdon de sempre.

Pra quem não conhece esse estilo, vejamo-lo a seguir. Centenas de páginas que se passam em pouco mais de 24 horas de história: check; vilão hiper culto e malvado com ideais malucos de grandeza: check; pistas que revelam os planos do vilão-hiper-culto-e-malvado-com-ideais-malucos-de-grandeza escondidas em quadros, esculturas, prédios, etc.: check; coadjuvante feminina gata e esperta: check; final feliz com a resolução do problema após uma sequência emocionante de ação: close enough.

Parece que o Dan Brown se meteu numa vibe "iarnuô-iarnistilve, vamos salvar o mundo e tal". No Símbolo com aquela história de que "pensamentos são matéria, então vamo manter a vibe positiva que tá todo mundo junto, mano" e agora com essa de "vamos pensar nos problemas do mundo". Sou super a favor de ele querer incrementar os livros com ideias novas, mas, assim, se eu quiser algo mais substancial com certeza não é a você que eu recorrerei, Dan Brown, meu caro. Acho que cada um tem que se ater ao que sabe, né, cara? Se você já se consagrou pela narrativa rápida, mirabolante e emocionante com ares de gente culta, é isso. Agora vir com essa onda new wave (~~onda new wave) paz e amor não colou comigo não. Vai mexer com a igreja católica de novo que acho que tu vais ter mais ibope. No fim das contas, quem já leu os outros e quer continuar lendo, leia. Não vai ter nada de novo mesmo, mas a diversão é aquela de sempre. E quem não leu os outros, melhor começar por O Código Da Vinci ou pelo Anjos e Demônios - ou até pelo Ponto de Impacto, pra quem quer mais conspiração governamental e menos história da arte.
"I've got to stop being such a snob about leather-bound books, he reminded himself. E-books do have their moments."

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Gatsby? What Gatsby?

pouco mais de um ano, descobri que dois dos maiores romances da literatura americana do século XX veriam a estreia de adaptações cinematográficas em um futuro próximo. Dirigido pelo nosso Walter Salles, ainda em 2012 pudemos ver On The Road, que eu adorei, mas dividiu a opinião dos críticos quanto a sua fidelidade ao verdadeiro espírito da geração beat. E finalmente este mês, depois de alguns adiamentos, temos a chance de conferir a mais recente adaptação de The Great Gatsby, a qual, mais uma vez, não agradou muito os críticos. Só que dessa vez eu até concordo com eles.

Pra quem não tá por dentro, o romance do F. Scott Fitzgerald que deu origem ao filme foi publicado em 1925 e trata da agitada era do jazz americana. Narrada por Nick Carraway (Tobey Maguire), a história se desenrola a partir da mudança do narrador para o estado de Nova York, coração do boom econômico por que passaram os EUA na década de 20 do século passado, fato que atraiu toda sorte de personagens tentando a sorte na grande metrópole. Uma delas é o misterioso vizinho milionário de Nick, Jay Gatsby (Leonardo Dicaprio). Provavelmente a adaptação mais conhecida do romance, apesar das críticas desfavoráveis, seja a de 1974, cujo roteiro é assinado pelo Francis Ford Coppola. Quase quarenta anos mais tarde, Baz Luhrmann (Moulin Rouge) tenta dar uma nova interpretação à história, mas o resultado não é lá muito diferente do que diz a crítica sobre a versão de 74.

Óbvio que uma produção dessas proporções tem seus vários pontos positivos. Curti muito, por exemplo, o fato de acrescentarem detalhes que não se encontram na narrativa original. Logo no início vemos um Nick Carraway claramente transtornado após experimentar a efervescência da Nova York dos anos 20 e, após conselhos médicos, é a própria personagem que se incumbe de escrever o romance The Great Gatsby. Considerando que o F. Scott Fitzgerald viveu pessoalmente todo o luxo e a ostentação da época, igualá-lo ao seu narrador, além de incluir várias passagens do livro, parece ter sido uma boa decisão. Além disso, o orçamento de pouco mais de U$100 milhões não podia deixar de garantir uma era do jazz repaginada à la século XXI. As roupas, os sets, as festas, tudo parece lindamente exagerado numa explosão de cores, brilho e extravagância, ainda mais acentuados com o tal do 3D (mas se quiser economizar seus R$10 pra gastar com comida, veja o 2D mesmo, não vai perder nada demais). Tudo isso ao som de uma trilha tão bem repaginada quanto o visual, incluindo Lana Del Rey, Florence and the Machine, The xx, Jay Z e Jack White.


Mas nem tudo na vida são strippers, charleston e álcool ilegal, o filme tem uma falha até que bem comum nas traduções literatura/cinema. Embora ultrapasse as 2h20 de duração, o longa parece achar que alguns  aspectos cruciais do livro são supérfluos na versão cinematográfica. De repente, um romance que trata também da decadência moral que concorreu com a grande afluência de capital no pós Primeira Guerra americano se torna essencialmente uma trágica história de amor. Ao ponto de até esquecerem completamente as tramas paralelas do próprio narrador em favor de mais Gatsby e Daisy (Carey Mulligan) em cena. Beleza, o Leonardo DiCaprio tá surpreendentemente excepcional, mas não é o suficiente, old sport, por que diabos deixaram a Daisy tão sem sal? Ainda mais que a Carey tem talento pra dar e vender. Enfim, depois que o deslumbre da primeira metade passa, o que resta é isso: uma ótima história de amor que se sobrepõe às entrelinhas do romance. Essa versão mais recente do The Great Gatsby parece sofrer do mal que a própria Daisy Buchanan denuncia: que a beleza muitas vezes é mais importante que o conteúdo. Levando em conta que o texto tem quase 100 anos, era de se esperar que a produção não caísse nesse erro, por mais que ainda hoje soframos desse mesmo mal.

Nota: 7.

"So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past."