domingo, 1 de abril de 2012

Fiel e Um Pouco Mais

Do Tratado de Traição: em penitência por sua insurreição, cada distrito oferecerá um cidadão de cada sexo de 12 a 18 anos de idade em uma "Colheita" pública. Esses tributos serão entregues à custódia da Capital e então transferidos à uma arena pública, onde lutarão até a morte até que reste apenas um vencedor. Esse torneio, doravante e para todo o sempre, ficará conhecido como Jogos Vorazes.
Como outras promessas já feitas neste blog, quebrei mais uma, pois não postei esta bendita resenha de Jogos Vorazes (The Hunger Games) no último fim de semana. Por outro lado, já vi o filme quatro vezes, assim, pude analisá-lo sob diferentes estados de espírito. Na primeira vez, a euforia em pessoa; na segunda, prestando atenção aos detalhes; na terceira, tentando vê-lo como alguém que não leu os livros; e na quarta, estando 30 horas acordado, achando o filme mais triste do ano. Logo, este texto é fruto de bastante ponderação e análise.

Começando pela adaptação livro/filme, posso dizer que não houve problemas. Sempre que saía de uma sessão de estreia de Harry Potter, por exemplo, era a mesma coisa... "E a cena das garrafas e do jogo de lógica?? E a cena do quadribol??". E isso não era o pior. Ruim mesmo era quando inventavam outras cenas pra cobrir os buracos. Hoje critico menos o modo como Harry Potter foi feito porque entendo um pouco melhor o processo complicado de adaptar livros. No entanto, talvez pela própria estrutura da obra da Suzanne Collins, isso não acontece em Jogos Vorazes. Embora muitas cenas na Arena sejam mais aceleradas, tá tudo ali, bonitinho. Além disso, o diretor e os roteiristas deram um passo à frente e nos libertaram da visão em primeira pessoa do livro. Se neste a protagonista especulava e calculava o que se passava em outros lugares, o filme de fato nos mostra esses outros lugares. Eles podiam ter escolhido o caminho mais fácil e simplesmente terem metido uma narradora em off, mas aí não teria nem a metade do brilho que teve. Dando aos espectadores acesso às cenas não vistas no livro só fortaleceu, portanto, o argumento da obra e ainda deixou ótimos ganchos pra sequência Em Chamas.

Quanto ao elenco, não sei nem o que dizer. Ok, eu tinha minhas reservas quanto a escolhas como Woody Harrelson e Lenny fucking Kravitz, mas mesmo estes conseguiram fazer um bom trabalho, embora suas atuações se diferenciem um pouco do que eu tinha imaginado no livro. Agora o que é exatamente como no livro é o trabalho de atores como o Stanley Tucci e a Elizabeth Banks. Sério, acho que ninguém mais teria feito um Caesar Flickerman, popular apresentador da Capital, tão bem quanto ele, com o jeito afetado e com o carisma que ajuda até os mais nervosos dos tributos na entrevista. No filme ele ainda é promovido a comentarista dos jogos, transmitindo ao público detalhes somente pensados pela protagonista no livro. Quanto à Effie da Elizabeth Banks só digo uma coisa: na mosca, cada fala é dita com muita propriedade, é hilária sem querer ser. Até o Liam Hemsworth, cara, com quem eu tanto implicava, me fez gostar do Gale, melhor amigo da Katniss. Acreditei cego na relação forte desses dois. Já Josh Hutcherson é Peeta Mellark. E Peeta Mellark é Josh Hutcherson. E o que dizer sobre Jennifer Lawrence? Dizer que ela carrega o filme nas costas seria uma injustiça com um elenco tão bom, mas, não sei, toda a fibra, a força, a fraqueza, a resiliência de uma personagem tão complexa estão perfeitamente personificadas na atuação dessa criatura. Eu olhava pra cara dela e parágrafos e parágrafos do livro se repetiam na minha mente. Provou cabalmente porque tem uma indicação ao Oscar.

Agora passando ao quesito "efeitos visuais e sonoros", já adianto que não estava preparado pro que ali vi. Nunca tinha visto um filme do Gary Ross, mas esse filho da mãe me surpreendeu num filme cujo livro li três vezes. A câmera chacoalhando loucamente em certas horas dava um ar de filme independente e a ausência de som na cena da Colheita só piora a tensão de um momento já naturalmente tenso. Já a cena mais violenta do livro, o banho de sangue no início dos jogos, não podia ter o mesmo impacto porque, bem, a classificação indicativa é de 12 anos, mas o quê que o Senhor Ross fez? Simplesmente cortou o áudio original e colocou um belo zumbido nos nossos ouvidos, enquanto isso, adolescentes se matam diante dos nossos olhos sem dó e piedade, ou seja, jogada de mestre que satisfaz os desavisados que só querem ver sangue e também não choca os guardiães da pureza das crianças. Por essas e outras é que mais um indicado ao Oscar prova sua competência no processo de adaptação de uma trilogia já bastante popular. Torna-se muito claro que o diretor compreendeu perfeitamente que a experiência da leitura é uma, e que a experiência audiovisual do cinema é outra. Ao mesmo tempo, ambas se unem harmonicamente e dividem a mesma essência originalmente pensada pelo gênio da Suzanne Collins.

Gente, eu já sabia desde o início que não conseguiria fazer uma resenha 100% imparcial, mas juro que tentei procurar algo significativamente ruim nesse filme, no entanto, não consegui, juro! O quê que eu ia escrever aqui? Que o gato da Prim no livro é amarelo e no filme é preto? Que a cornucópia no livro é dourada e no filme é prateada? Jogos Vorazes, embora tenha origem num livro, é um filme que tem voz e estilo próprios. Utiliza-se justamente dos elementos que diferenciam a literatura do cinema a seu favor. Se no livro temos a impossibilidade de ver ou ouvir - sem ser na nossa imaginação obviamente -, no filme temos uma experiência muito rica que trabalha muito bem esses sentidos, sem o temor de confundir ou alienar os espectadores. Da mesma forma, todos os conflitos são debatidos de forma direta, não são tão mastigados pra agradar a audiência. Os bastidores de um governo totalitário disfarçado são revelados com ótimos diálogos. A troca de papéis dos gêneros - a mulher forte e homem a ser protegido - também são tratados com naturalidade e sem desdém. Resumindo, uma adaptação que explora super bem sua obra original, mas que não tem medo de se provar como filme separado da literatura. Nessa experiência, saem ganhando os fãs e aqueles espectadores sem compromisso.

Nota: 9,5.
"Hope. It is the only thing stronger than fear"
 *IMDB

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