Flashback julho de 2007: 16 anos, último ano de colégio militar, férias, piscina, sol, mar e... mega ansiedade pelo lançamento de Harry Potter and the Deathly Hallows, último da série. Lembro que eu tava numa cidadezinha no litoral do Pará quase chorando sangue porque não tinha ninguém em casa pra receber o livro que eu tinha encomendado na pré-venda. Apelei pra ler traduções informais na internet numa lan house perto do hotel. Felizmente o livro chegou um dia após eu ter retornado pra Manaus. No dia seguinte, obviamente, já estava lido. E ali começou a sensação de ser um pseudo-órfão dessa mulher que nem sabe que eu existo. Mas hoje, pouco mais de cinco anos depois, essa sensação foi meio que sanada, embora de uma forma filha-da-putamente radical.
Traduzido no Brasil como Morte Súbita, The Casual Vacancy é o primeiro livro da J. K. Rowling depois da heptologia Harry Potter e também o primeiro livro da autora direcionado ao público adulto. A história se passa em Pagford, uma cidadezinha fictícia no sudoeste da Inglaterra, onde Barry Fairbrother, membro do conselho que governa a cidade, de repente morre devido a um aneurisma e gera imensas expectativas acerca de quem preencherá sua vaga acidental (ba dunts!). A corrida política parece polarizar, assim, seus candidatos em dois grupos: os que são a favor de manter a área chamada de Fields (onde moram muitos pensionistas e pessoas de baixa renda) sob a gerência de Pagford e os que querem "purificar" a cidade de todos aqueles pobres bêbados e drogados (hum... super imparcial essa minha análise. Mas sou eu quem mando nessa porra! LOL). Além dessas visões políticas, no entanto, as persongagens são ainda obrigadas a enfrentar questões de cunho moral, familiar e social que formam a base do romance.
Um dos aspectos que mais me chamaram atenção no livro foram os temas extremamente atuais dos quais ele trata. Pra isso, a JK faz referências diretas que impossibilitam qualquer distanciamento entre o que nos é mostrado na narrativa e o mundo em que de fato vivemos: desde o papel importantíssimo que a informática tem hoje (entre outras, inúmeras referências ao Facebook) até citações diretas de músicas pop, sendo a mais importante delas, curiosamente, Umbrella da Rihanna - que bizarramente tem muito a ver com a história. Além desses indicadores do século XXI, o narrador onisciente nos faz o imenso e desconcertante favor de nos contar tudo que se passa na cabeça das personagens. Não no estilo fluxo de consciência, mas de forma tão direta e com um olhar tão clínico que a gente não pode deixar de sentir alguma empatia mesmo pelos mais vis... e olha que o que não falta nesse livro é gente vil. Merece destaque aqui, nesse sentido, a vasta gama de personagens que se inscrevem na narrativa. Desde bebês negligenciados e adolescentes suicidas até donas de casas com tesão (foda-se 50 Shades of Grey!) e obesos sedentos de poder. BTW, vocês não têm ideia do choque que foi pro meu eu de 9 anos - que secretamente torcia pra uma nesga de magia na história - ler uma descrição dos diferentes tipos de pornografia a que uma das personagens tem acesso.
Tratando da evolução da narrativa em si, por outro lado, já não posso dizer que fiquei tão chocado quanto esperava. Em se tratando de um romance mega hypado que gira em torno de eleições, achei que veria mais trapaças, jogos políticos, possivelmente assassinatos ou coisas do tipo. Mas isso passa longe do foco do romance. Estamos aqui falando de 500 páginas, então realmente achei que faltou um semiclímax lá pelo meio. E mesmo o andar da carruagem durante todo o romance parecia indicar um final chocante como resultado da corrida dos candidatos pela vaga no governo. Não se deixem enganar. O final é chocante, sim, mas por motivos muito diferentes. Coisas extraordinárias acontecem, mas em sua maioria na forma de uma revolução moral e pessoal em cada personagem, sem grandes embates e choques espetaculares entre as personagens em sequências de muita ação.
Se bem que o objetivo da obra, da forma em que eu interpretei obviamente, nem sequer chega perto de ser impressionar com cenas vistosas. O que mais me marcou como fio condutor do romance é o fato de vivermos bem hoje, numa sociedade modernizada, como as fachadas da boa moral e dos costumes, mas, no fundo, nossas paredes não abrigam muito mais coisas que a nossa hipocrisia, nossas ambições egoístas e nossa pré-disposição pra virar as costas a problemas que não nos dizem respeito diretamente. Viver acaba sendo buscar o conforto próprio e ver méritos próprios onde não existem e tirar vantagem nas menores das coisas quando nos comparamos com nossos vizinhos. O que nos resta, no fim, é sermos comovidos pela tragédia dos outros pra que nós mesmos nos reajustemos. Nesse mundo de aparências, assim, infelizmente pagam primeiro os que mais necessitam de ajuda. Só pra nós depois nos sentirmos melhores e agradecermos pelo que temos. Enfim, JK, saiba logo que já deixou mais uma casual vacancy neste leitor que tanto te admira.
"You must accept the reality of other people. You think that reality is up for negotiation, that we think it's whatever you say it is. You must accept that we are as real as you are; you must accept that you are not God."


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