Há pouco mais de um ano, descobri que dois dos maiores romances da literatura americana do século XX veriam a estreia de adaptações cinematográficas em um futuro próximo. Dirigido pelo nosso Walter Salles, ainda em 2012 pudemos ver On The Road, que eu adorei, mas dividiu a opinião dos críticos quanto a sua fidelidade ao verdadeiro espírito da geração beat. E finalmente este mês, depois de alguns adiamentos, temos a chance de conferir a mais recente adaptação de The Great Gatsby, a qual, mais uma vez, não agradou muito os críticos. Só que dessa vez eu até concordo com eles.
Pra quem não tá por dentro, o romance do F. Scott Fitzgerald que deu origem ao filme foi publicado em 1925 e trata da agitada era do jazz americana. Narrada por Nick Carraway (Tobey Maguire), a história se desenrola a partir da mudança do narrador para o estado de Nova York, coração do boom econômico por que passaram os EUA na década de 20 do século passado, fato que atraiu toda sorte de personagens tentando a sorte na grande metrópole. Uma delas é o misterioso vizinho milionário de Nick, Jay Gatsby (Leonardo Dicaprio). Provavelmente a adaptação mais conhecida do romance, apesar das críticas desfavoráveis, seja a de 1974, cujo roteiro é assinado pelo Francis Ford Coppola. Quase quarenta anos mais tarde, Baz Luhrmann (Moulin Rouge) tenta dar uma nova interpretação à história, mas o resultado não é lá muito diferente do que diz a crítica sobre a versão de 74.
Óbvio que uma produção dessas proporções tem seus vários pontos positivos. Curti muito, por exemplo, o fato de acrescentarem detalhes que não se encontram na narrativa original. Logo no início vemos um Nick Carraway claramente transtornado após experimentar a efervescência da Nova York dos anos 20 e, após conselhos médicos, é a própria personagem que se incumbe de escrever o romance The Great Gatsby. Considerando que o F. Scott Fitzgerald viveu pessoalmente todo o luxo e a ostentação da época, igualá-lo ao seu narrador, além de incluir várias passagens do livro, parece ter sido uma boa decisão. Além disso, o orçamento de pouco mais de U$100 milhões não podia deixar de garantir uma era do jazz repaginada à la século XXI. As roupas, os sets, as festas, tudo parece lindamente exagerado numa explosão de cores, brilho e extravagância, ainda mais acentuados com o tal do 3D (mas se quiser economizar seus R$10 pra gastar com comida, veja o 2D mesmo, não vai perder nada demais). Tudo isso ao som de uma trilha tão bem repaginada quanto o visual, incluindo Lana Del Rey, Florence and the Machine, The xx, Jay Z e Jack White.
Mas nem tudo na vida são strippers, charleston e álcool ilegal, o filme tem uma falha até que bem comum nas traduções literatura/cinema. Embora ultrapasse as 2h20 de duração, o longa parece achar que alguns aspectos cruciais do livro são supérfluos na versão cinematográfica. De repente, um romance que trata também da decadência moral que concorreu com a grande afluência de capital no pós Primeira Guerra americano se torna essencialmente uma trágica história de amor. Ao ponto de até esquecerem completamente as tramas paralelas do próprio narrador em favor de mais Gatsby e Daisy (Carey Mulligan) em cena. Beleza, o Leonardo DiCaprio tá surpreendentemente excepcional, mas não é o suficiente, old sport, por que diabos deixaram a Daisy tão sem sal? Ainda mais que a Carey tem talento pra dar e vender. Enfim, depois que o deslumbre da primeira metade passa, o que resta é isso: uma ótima história de amor que se sobrepõe às entrelinhas do romance. Essa versão mais recente do The Great Gatsby parece sofrer do mal que a própria Daisy Buchanan denuncia: que a beleza muitas vezes é mais importante que o conteúdo. Levando em conta que o texto tem quase 100 anos, era de se esperar que a produção não caísse nesse erro, por mais que ainda hoje soframos desse mesmo mal.
Nota: 7.
"So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past."

